Comentarista de Lições Bíblicas da CPAD do último trimestre de 2019
Nosso entrevistado do mês é o pastor maranhense Osiel Gomes da Silva, líder da Assembleia de Deus Campo do Tirirical em São Luís (MA), graduado em Teologia, Filosofia, Direito, Pedagogia, Psicanálise e pós-graduado em Docência do Ensino Superior, além de professor de Grego e Hebraico. Comentarista de Lições Bíblicas da CPAD do quarto trimestre deste ano, o pastor Osiel Gomes fala nesta entrevista sobre o conteúdo da revista, que abordará os Livros Históricos de 1 e 2 Samuel, tratando sobre o governo divino em mãos humanas.
Qual o propósito dos livros de 1 e 2 Samuel?Frente ao conteúdo dos livros de 1 e 2 Samuel, claramente pode-se entender que ambos foram escritos com o propósito de narrar os acontecimentos históricos destacando o desenvolvimento da nação israelita, a qual se encontrava em um estado de anarquia, conforme apresenta o livro de Juízes, e que vai dar um salto para um estado de monarquia teocrática. Vale ressaltar que o opíparo que se evidenciará em Israel no crescimento religioso, no crescimento como nação, tem seus fundamentos nos princípios teocráticos, visto que o rei e a nação viveram na dependência do poder do Grande Rei: Deus. 1 e 2 Samuel mostram que buscar crescimento, poder, fama, apenas com o esforço humano, é algo pueril. A glória, a unificação e o crescimento de Israel como nação de Deus só seriam possíveis caso todos dependessem exclusivamente do poder de Deus, vivessem em plena consonância com os ditames divinos. 
A saga dos filhos do profeta Eli e os crimes cometidos por eles em Israel têm conexão com o ambiente espiritual dos tempos atuais?É claro que sim, visto que as Escrituras nos afirmam que tudo o que foi escrito tem seu peso pedagógico, é para nosso ensino (Rm 15.4). A narrativa envolvendo Eli e seus filhos evidencia o que estava se passando em Israel, um cenário marcado pela anarquia, que vai atingir até a classe sacerdotal. Aparentemente eles desempenhavam sua função, mas não havia santidade nem cumprimento cabal das normas bíblicas, e da parte de Eli havia displicência, pois não disciplinava seus filhos, os quais tiravam proveito da função sacerdotal para fins particulares, para seus próprios prazeres e lucros. Os filhos de Eli eram perversos, eles procediam como os cananeus, viviam em corrupção, transgrediam as leis, mantinham relações sexuais com mulheres que serviam no Tabernáculo, lembrando que o Senhor nunca permitiu qualquer tipo de prostituição sagrada, como faziam outros povos. A conduta deles era repulsiva perante os olhos dos israelitas, mui especialmente de Deus, o que resultará em suas ruinas e o levantamento de outros em seus lugares. Os que são separados, escolhidos para desempenharem o ministério do Senhor, devem proceder conforme as determinações da Palavra, jamais abusando de sua posição, mas sendo ministros fieis (1Co 4.1,2), para não sofrer sanções divinas. Paulo foi bem enfático quando disse que é importante saber como devemos proceder na Casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo (1Tm 3.15).
Qual a situação espiritual de Israel quando Deus fala com Samuel pela primeira vez?
O panorama que lhe é revelado no aspecto espiritual é que a maior parte da nação de Israel estava envolvida com a idolatria e diversas imoralidades (1Sm 7.3), seguindo os costumes dos cananeus. Por outro lado, o sacerdócio e o profetismo estavam emaranhados na fossa do pecado.  A casa de Eli não era disciplinada, seus filhos atuavam no sacerdócio dominados pela cobiça, imoralidade, o que era visto por todos. A religião no aspecto espiritual era lassa. Tudo isso concorria para que, sem demora, a ira de Deus viesse com sanções para todos. Para expressar a lastimável situação espiritual, o próprio Eli torna-se um paradigma negativo, pois o mesmo era um sacerdote adormecido, cego, passivo; assim, se essa era a condição do líder maior, imaginem a do povo. Como não estava a vida deles diante de Deus? Os primeiros versículos do capítulo 3 de 1 Samuel são claros em dizer que a Palavra de Deus estava quase apagada; não porque Ela não tivesse valor, mas pelo desrespeito que os líderes manifestam para com Ela. Pela Septuaginta, a ideia que se expressa é das mais dramáticas. Não se podia confiar nem nos sacerdotes nem nos profetas. É claro, estavam nos cargos, mas não eram vistos verdadeiramente como recipientes das revelações do Senhor, daí o motivo de se dizer que eram poucas as visões da parte do Senhor.
Quais as consequências que a quebra da aliança no período monárquico trouxe para o povo de Deus?
A primeira foi a destruição do Templo e a segunda, a queda de Jerusalém em 586 a.C. Esta última foi lembrada por Jeremias em suas Lamentações e anualmente é recordada pelos judeus. Além desses dois fatos, podemos falar nos três desterros que Israel sofreu, sendo levados para a Babilônia como cativos (Dn 1.1; 2Rs 24.11.12). Pela quebra da Aliança, as consequências que atingiram Israel foram dramáticas, sendo que seus efeitos ainda hoje perduram, pois nunca mais Israel pôde viver momentos de glória como vividos no período monárquico. Apesar das conquistas feitas por Israel, não conseguiram simultaneamente ter a terra, o Templo e o rei como antes tiveram. Tudo isso porque quebraram o concerto divino, pois não guardaram a Lei da Aliança, se envolveram com a idolatria (Dt 28.58; 2Cr 36.14), não atentavam para o que Deus falava a eles por intermédio dos seus profetas (Lv 16.14-33; 2Cr 25.4). Não poderia haver outra consequência senão a do Cativeiro.
Samuel aparece no cenário bíblico em momento de grande crise espiritual. Defina qual o papel dele?
Para essa situação tão mórbida só mesmo um homem com um verdadeiro chamado poderia fazer a diferença. É o chamado que irá caracterizar grandemente a ação enérgica realizada por Samuel (1Sm 3.1,7,10,21). Samuel não foi chamado por Eli, mas por Deus. Desse modo, seu profetismo foi algo direto do Senhor. Fez toda diferença Samuel começar seu ministério ouvindo a voz de Deus, pois a partir daquele instante nunca mais ele seria o mesmo. Samuel será o instrumento que Deus usará para colocar o povo nos trilhos certos. Desde cedo, ele passa a ser instruído, ainda que não tivesse conhecimento disso. Havia no meio daquela nação comprometida com o pecado um remanescente que ansiava pela presença de Deus, pelo cumprimento de Sua Palavra, e Samuel será o homem que irá tirar Israel da esterilidade espiritual. Como Deus já havia determinada a sentença da casa de Eli, e profeticamente já havia afasto sua família do sacerdócio, Ele busca agora Samuel, o qual já evidencia prontidão para obedecer, pois ao dizer “Fala, Senhor, o teu servo ouve”, é o mesmo que dizer “Eis-me aqui”, como procedeu Abraão quando Deus pediu seu filho (Gn 22.1,2). O papel a ser desempenhado por Samuel está visível na figura de sua mãe, a qual era estéril, e na função que ele desempenhava: abrir as portas do Templo. Foi por meio da oração a Deus que Ana pôde reverter sua esterilidade. Semelhantemente, a restauração da esterilidade espiritual de Israel só seria possível pela oração. Samuel conclama toda nação de Israel a se humilhar perante o Senhor. Ele agora terá a missão de abrir a porta do Templo, comunicar e interpretar a Palavra de Deus a todo o povo, visto que por muito tempo ela esteve em silêncio. Somente assim é que Israel poderia começar uma nova história, viver um novo dia.
A escolha de um rei estava prevista na Lei. Logo, qual o erro cometido pelos israelitas quanto ao pedido formulado a Samuel?
A primeira coisa que se deve ter em mente é que a provisão de um rei não era algo imperativo, mas uma permissão, pois jamais a monarquia, ainda que futuramente viesse a existir no meio do povo de Deus, poderia ser antagônica à teocracia. Isso se percebe muito bem no texto de Deuteronômio 17.14-20, por meio da expressão “Aquele que o Senhor teu Deus escolher”, como também por esta: “De entre os teus irmãos”. Ainda que a monarquia viesse a emergir no meio do povo de Deus, o rei não poderia apresentar-se como absoluto, independente, antes deveria governar sob a liderança do Senhor, seguindo à risca Suas leis, buscando sempre preservar a Aliança. É nessa perspectiva que a Lei fazia a previsão de um rei, e não da forma que os israelitas procederam com Samuel. O erro cometido por Israel ao pedir um rei é que o fizeram na indiferença, fugindo dos princípios bíblicos, teocráticos, pois se esqueceram de que até ali o Senhor os tinha dirigido e governado-os por meio de juízes que estavam sob Seu poder. Agora, firmados no orgulho, queriam ter um rei conforme as demais nações tinham, não segundo a ação soberana do Senhor. Portanto, a forma que eles se dirigiram a Samuel manifestava certa oposição aos princípios divinos. Pelo pedido que os israelitas fizeram, doravante seriam dirigidos por uma política independente da sua vocação religiosa. O povo de Deus Israel foi chamado para influenciar o mundo como a nação santa de Deus, mas, pelo pedido que fizeram, perderam sua vocação espiritual e a grande influência que poderia ter na história humana. Essa inovação da parte de Israel vai lhe custar caro, primeiro nas mudanças sociais que aconteceriam, pois viveriam sob pressão para pagarem impostos, teriam que servir à casa real, dentre outras questões.
O povo hebreu realmente desfrutou de um período de solidez política durante o reinado de Davi? Como qualificar esse momento histórico de Israel?
O momento envolvendo o personagem Davi é caracterizado como de prosperidade para o povo de Deus. Sabe-se que, depois da morte de Saul, Israel estava sem moral, tinha sido abatido pelos filisteus e estava vivendo em um caos total. Depois da exterminação da casa de Saul, Davi passa a ser rei de toda a nação de Israel (2Sm 2.8; 5.5). Com Davi no poder, Israel vai viver momentos magnificentes, e isso se nota logo pela derrota dos filisteus e de outros povos vizinhos: idumeus, arameus, amalequitas etc (2Sm 5.17-25; 21.15-22). Assim ele vai estabelecendo seu império. Pelos registros arqueológicos, diz-se que o rei Davi inovava, fez uso de ideias estrangeiras para implementar mudanças no aspecto governamental, e isso se configura muito bem pela presença de cronistas e escribas, os quais desempenhavam funções importantíssimas (2Cr 8.16). Ele organizou um exército, tendo uma guarda pessoal bem preparada. Há um destaque especial no aspecto espiritual para o rei Davi, pois ele busca estabelecer as cidades dos levitas (Nm 35) e pelos mesmos evidencia grande respeito, preservando suas funções. Esse procedimento revelava seu lado espiritual como também a preservação da legislação mosaica, mostrando que ele valorizava a Lei de Deus. Nas 48 cidades levíticas, o rei Davi implantou as características de uma instituição funcional, o que fez com que certas disputas fossem eliminadas, criando mais unidade entre o povo. Não se pode mensurar as conquistas políticas feitas por Davi. Ademais, pode se dizer que aquilo que foi planejado nos dias de Josué, quando da conquista da Terra Prometida, agora se ampliava por meio das conquistas militares desse grande rei.Em resumo, pontuamos ainda a conquista de Jerusalém, que posteriormente torna-se o centro da vida e fé religiosa do povo de Deus. Davi foi também o patrono da música judaica, pois ele era um grande músico (1Sm 16.14-23). Boa parte dos seus salmos são ritmados. É ele também quem manifesta o desejo de construir um grande templo para a glória de Deus, ou seja, que se tornasse o centro do culto a Javé. Mas, como não lhe foi permitido por ordem divina, ainda conseguiu deixar todos os preparativos e recursos para a consecução da obra, dando as devidas instruções ao seu filho Salomão (2Sm 7.1).
E quanto à promessa divina à casa de Davi acerca da vinda do Messias? O monarca tinha noção da magnitude dessa promessa? 
O capítulo 7 de 2 Samuel é esplêndido no seu conteúdo. Posso dizer que vai muito mais além daquilo que a ínfima mente do rei Davi podia imaginar. O patriarca Abraão louvou a Deus pelas bênçãos prometidas, as quais estavam inclusas na aliança abraâmica, mas ele não podia mensurar o delineamento das bênçãos espirituais, nacionais e territoriais no seu aspecto geral. Na aliança davídica, se evidencia claramente o aspecto nacional em relação ao rei, com Deus prometendo a Davi que os seus descendentes iriam possuir direito ao trono da nação de Israel para sempre, e que a linhagem selecionada viria de Salomão.Asseveramos que Davi sabia da importância da profecia que Deus fez pessoalmente a Ele, que isso seria cumprido, mas creio que ele jamais imaginou a magnitude escatológica da mesma, pois a expressão “Por pai... por filho” é aplicada a Jesus Cristo pelo escritor aos Hebreus (Hb 1.5). Deus, na aliança que faz com Davi, assegura firmemente que dará à humanidade um rei justo; assim, pelo aspecto histórico, Salomão não foi o rei justo, de modo que o escatologicismo do eternamente não se cumpriu nele. O filho justo de Davi seria o Messias, Jesus Cristo, o Filho de Deus. É fundamentado nisso que Mateus prova o direito de Jesus de ser o rei de Israel, pela genealogia de José que irá voltar ao tempo de Davi e Salomão (Mt 1.1). Creio que na essência da dita profecia o monarca não tenha tomado conhecimento de sua dimensão.
É verdade que a idolatria foi introduzida oficialmente em Israel no governo de Salomão? Que lição essa terrível experiência nos traz para nossos dias?
Pelo relato das Escrituras Sagradas, fica claro que nunca houve um momento na história dos israelitas em que eles não estivessem envolvidos com a idolatria. Um exemplo bem primitivo é o da esposa de Jacó, Raquel, no caso dos ídolos familiares (Gn 31.34). Josué lembra muito bem que, durante a peregrinação no deserto, muitos judeus estavam presos a tal prática condenável (Js 24.14). De modo geral, pode se dizer que a idolatria esteve presente nos lares, no Sinai, no deserto, entre os juízes, sacerdotes, no período do reinado de Salomão, por influência de suas mulheres estrangeiras (1 Rs 11.1-8), sendo que tê-las já era um pecado, pois procedendo assim se dava mal exemplo, o que irá influenciar no comportamento dos reis vindouros.  No aspecto oficial, a idolatria foi um expediente de Jeroboão, que fez isso com o objetivo de evitar que o povo fosse até Jerusalém e seu Templo, e que eles não se voltassem aos deuses pagãos (1Rs 11.33). Destarte, essa postura foi um desastre, pois logo se implantou um falso sistema que substituiria o verdadeiro culto ao Senhor (1Rs 12.28) e também surgiria um novo sistema de sacerdócio, permitindo o laicato e não o sistema levítico (2Cr 1.14). O procedimento pecaminoso de Jeroboão irá comprometer os demais reis do Norte, e essa avalanche idolátrica será uma deserdação de Deus como também uma das causas do Cativeiro Babilônico.Há que se dizer que existem muitas formas sutis de idolatria. Elas se apresentam ou se camuflam na vida de certos crentes no aspecto da cobiça, de desejos desenfreados, glutonaria, avareza. Envolver-se com isso é comprometer a vida espiritual. Portanto, o melhor é eliminar de uma vez por todas as formas de idolatria, pois no geral todas são prejudiciais. Daí a importância de seguirmos o bom conselho de João, que diz: “Guardai-vos dos ídolos”, ou seja, tome uma postura, não deixando que qualquer outra coisa tome o lugar de Deus (1Jo 5.21).
Por: Maique Borges
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